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*BENICIO, Suelem Lima

Para começarmos a falar do Welfare State partiremos da definição dada por Arretche (1995, p. 35):

“... o Welfare State como um campo de escolhas, de solução de conflitos no interior de sociedades (capitalistas avançadas), conflitos nos quais se decide a redistribuição dos frutos do trabalho social e o acesso da população a proteção contra riscos inerentes a vida social, proteção concebida como um direito de cidadania.”

Essa definição inicial é importante para diferenciarmos o conjunto de políticas sociais desenvolvidas pelos Estados-Nações modernos durante toda a sua história. A presença de políticas sociais dentro desse modelo de Estado não é algo que tem início no século XX, mas as características dessas políticas, bem como sua justificativa e articulação se dão de forma diferente durante final do século XIX e início século XX. A presença de grupos sociais vulneráveis que necessitam de auxílio para dar conta de necessidades mínimas de sobrevivência, tais como alimentação e moradia não é algo novo, mas a forma como se assiste a esses grupos, bem como a justificativa que embasa essa assistência sofre mudanças radicais nas sociedades capitalistas contemporâneas. A pobreza e a miséria eram percebidas como consequência da incapacidade individual ou da família de prover o seu sustento, e não como responsabilidade do Estado. A assistência a essas famílias eram lidas pelo viés da caridade que poderia ser exercida como opção por indivíduos isolados ou mesmo pelo Estado, mas não era percebida como obrigação destes. A importância de se ter isso evidenciado desde o início é fundamental para entendermos a singularidade do Welfare State como fenômeno histórico datado e localizado no tempo.

De acordo com estudiosos do tema podemos localizar o surgimento e desenvolvimento do Welfare State no pós Segunda-Guerra. Antes desse período já era notória experiências pontuais de prestação de serviços articulados de seguro social, como por exemplo, o caso da Alemanha de Bismarck que inaugura o serviço de previdência, bem como o seguro saúde para os trabalhadores urbanos. Mas, a institucionalização de um conjunto de políticas sociais, visto como um direito do cidadão e dever do Estado, baseado no pressuposto da ineficiência da sociedade capitalista industrial de prover padrões de desenvolvimento igualitário a todos os cidadãos é o que caracteriza o Welfare State, e esse tipo de argumentação que vê a desigualdade não mais sob a perspectiva da incapacidade individual das pessoas, mas sob a lógica estrutural de um sistema de produção é algo novo.

Os primeiros estudos sobre o Welfare State surgem na década de 1950, mas o interesse massivo sobre esse tema parece ter surgido de forma mais exaustiva quando é anunciada a crise desse modelo de Estado durante a década de 1970 (FARIA, 1998), permanecendo como objeto extensa investigação até os dias atuais. Durante esse espectro temporal alguns autores afirmam ter ocorrido um “amadurecimento” da produção acadêmica sobre este fenômeno, sendo incorporada a análise um conjunto de diferentes variáveis que tornaram as abordagens mais complexas e sofisticadas (ARRETCHE, 1995).

Mas antes de falar da especificidade de cada uma das abordagens podemos dizer que todos tiveram que considerar em suas análises alguns elementos comuns, embora atribuam papéis e lugares diferenciados para eles nas diferentes vertentes analíticas, a começar pelo papel desempenhado por três diferentes instituições na provisão de bem-estar para o conjunto da sociedade, quais sejam: Estado, Família e Mercado. Algumas teorias vão apontar o Estado como maior responsável por esta provisão, outras vão dizer que seria o mercado e outras a família. Mas, todas vão ter que pensar no lugar dessas três instituições dentro de seus modelos de análise do surgimento e desenvolvimento do Welfare State.

A singularidade do contexto histórico e econômico que cercava as sociedade capitalistas naquele período e que permitiram o surgimento e desenvolvimento do Welfare State apresentam no mínimo três fatores que precisam ser equacionados nas diferentes análise: 1) a presença de um algum excedente econômico que pudesse ser destinado a essas políticas, pois se esse recurso não estivesse disponível seria pouco provável que esse tipo de política pudesse surgir e se desenvolver na extensão em que se deu; 2) o surgimento do Keynesianismo como suporte ideológico necessário para sustentar uma argumentação favorável a qualquer tipo de intervenção estatal na provisão de bem-estar dos indivíduos, vista não mais como um auxílio voluntário e sim como direito adquirido, afinal o suporte ideológico que vigora nas sociedades capitalistas anterior a crise de 1929 era o Liberalismo Clássico, teoria esta avessa a qualquer tipo de intervenção do Estado no mercado; 3) uma estrutura político-institucional de Estado que permitisse a este dar conta dessa nova atribuição/função, considerando que qualquer tipo de provisão de bem-estar que possa ser considerada como dever do Estado para com os seus cidadãos implica a oferta de serviços sociais, aumentando a necessidade de uma estrutura organizacional que possa dar conta disso: criar, implementar, gerir e avaliar (FARIA, 1998).

Entre os estudos iniciais sobre o Welfare State temos um grupo de autores que atribui primordialmente sua origem e o desenvolvimento ao avanço das economias capitalistas industriais. Os adeptos da “Lógica da Industrialização” e/ou “Teoria da Convergência” como denominou Faria (1998, p.40) entendem que o Welfare State surge como fenômeno intrínseco ao processo de industrialização, independentemente do regime politico ou dos fatores culturais de cada sociedade. Para esses autores o avanço do capitalismo industrial altera todos os laços de solidariedade presente na sociedade, criando novas demandas para o Estado, pois a família no seu formato tradicional não consegue mais suprir sozinha todas as necessidades de seus membros. A sociedade capitalista industrial também cria novos grupos de marginalizados, como por exemplo, os desempregados, os incapazes, os velhos, os doentes que não conseguem prover o seu sustento, convertendo-se em “peso” para a família, que na nova configuração dada por essa sociedade, dificilmente conseguem carregá-los sem algum tipo de auxílio externo. Esse quadro inerente à nova configuração produtiva das sociedades faria surgir quase que automaticamente um conjunto de políticas sociais geridas e subsidiadas pelo Estado para dar conta dessas novas demandas.

Para explicar a diferença do desenvolvimento do Welfare State nos diferentes países essa vertente vai se pautar pelo nível de desenvolvimento industrial de cada país. De acordo com essa perspectiva quanto mais desenvolvido for o país, mas dinheiro ele irá gastar com o conjunto de políticas sociais que integram o Welfare State. Nesse sentido não é primordialmente a vinculação ideológica que vai definir o gasto com essas políticas, mas o desenvolvimento econômico e tecnológico. Um dos estudiosos mais importantes dessa vertente, Harold Wilensky, a partir de pesquisa comparativa publicada em 1975 afirma: “Eu conclui que o crescimento econômico e seus resultados demográficos e burocráticos são a causa fundamental da emergência generalizada do welfare state” (ARRETCHE, 1995, p. 6).

Nesse trabalho de 1975 Harold Wilensky analisou 64 países diferentes e verificou o nível de gasto social existente em cada país, chegando a uma classificação que o permitiu construir a afirmação acima citada, de que países mais desenvolvidos gastam mais com políticas sociais do que países pouco desenvolvidos. No entanto, a crítica principal a conclusão de Wilensky esta justamente na metodologia empregada, pois como ele analisou países com níveis de desenvolvimento muito diferentes essa pode ser uma possibilidade para explicar a diferença entre países desenvolvidos e países não desenvolvidos, mas a análise desenvolvida não explica a diferença de gasto social entre países com o mesmo nível de desenvolvimento.

Outros teóricos importantes consideram o processo de industrialização como central para entendermos a origem do Welfare State como fenômeno geral das sociedades capitalistas contemporâneas, como é o caso de Richard Titmus e T. H. Marshall (FARIA, 1998), mas as razões de seu desenvolvimento são vistas de forma diferente por esses outros autores.

Para Titmus o processo de industrialização foi o propulsor do Welfare State porque instaurou uma nova lógica de divisão social do trabalho, criando uma especialização do trabalho e, consequentemente, uma dependência individual maior com relação à sociedade.

Para Marshall que está mais evidentemente associado à Teoria da Cidadania, e vê o surgimento do Welfare State como institucionalização dos direitos sociais, que esses que são percebidos como último estágio evolutivo de sua análise sobre a cidadania. Como destaca Arretche (1995, p.11) e Faria (1998, p.43) embora essa abordagem desenvolvida por Marshall perceba a ação política como importante, ela integra um processo evolutivo inevitável que opera no sistema social. Dessa forma, a ação política caminhou na perspectiva de uma adaptação as demandas geradas pelo processo de industrialização.

As criticas a pensar o Welfare State sobre a perspectiva da lógica da industrialização é ampliada quando outras variáveis são empregadas para explicar a diferença entre países com o mesmo nível de desenvolvimento. Uma contribuição importante é dada pelos marxistas, que tendo como pressuposto analítico a presença da luta de classes intrínseca a sociedades capitalista, direciona a sua análise para outras variáveis que pudessem auxiliar na explicação dos diferentes padrões de Welfare State, como por exemplo, a configuração dos sistemas partidários. Os marxistas ao olharem para o Welfare State e buscarem uma explicação para sua origem e desenvolvimento o fizeram sobre uma perspectiva funcionalista. Os dois principais argumentos desenvolvidos por estes para se pensar esse fenômeno seriam: 1) num sistema político-partidário das democracias de massa é inegável o seu caráter amplamente competitivo, dessa forma é preciso desenvolver formas de captar o apoio de diferentes grupos sociais de forma a conseguir a maioria. Esse processo seria responsável por diluir a identidade coletiva dentro dos partidos políticos, uma vez que este agregam perspectivas muito heterogêneas, implicando diretamente na impossibilidade de alinhamento de classe que pudesse articular os trabalhadores. Estes passam a serem alvos de das políticas clientelistas, em detrimento de uma verdadeira articulação partidária de esquerda; 2) O Welfare State é um instrumento do Estado Capitalista que oferecendo um bem-estar mínimo para os marginalizados e trabalhadores diluiria a percepção dos antagonismo de classe, desarticulando o potencial revolucionário do proletariado. Com base nesses dois argumentos desenvolvidos pelos marxistas podemos dizer que o Welfare State surge e se desenvolve como um instrumento eficaz de manutenção do status quo vigente.

Ainda na perspectiva de apontar as limitações da explicação do Welfare State pautada sobre tudo pela lógica da industrialização temos a análise que ficou conhecida como “Modelo dos Recursos de Poder”. Essa análise que olhou especialmente para o caso dos países escandinavos observou o surgimento e o desenvolvimento do Welfare State considerando os recursos de poder sob o controle da esquerda. Para essa perspectiva o Welfare State surge e se desenvolve de acordo com o nível de articulação existente ente o movimento trabalhista e sua influência na sociedade civil e na esfera política. Os estudos realizados com ênfase em variáveis que apontam o nível de articulação do movimento trabalhista nos diferentes países, tais como o índice de sindicalização e a estabilidade dos governos de esquerda, mostram a sua importância para o desenvolvimento dos diferentes tipos Welfare State.

Nesse processo de ampliação do escopo de análise do Welfare State os neoinstitucionalistas também têm dado a sua contribuição. Para os autores dessa vertente o Estado não é apenas uma arena onde acontecem as disputas e conflitos sociais, mas sim um ator com uma lógica própria de funcionamento que influencia de forma significativa a forma e o resultado dessas disputas e conflitos. Para pensarmos o surgimento e desenvolvimento do Welfare State em qualquer país é importante também olharmos para o Estado que o recebia. Esse Estado poderia ampliar ou reduzir o grau de cobertura do Welfare State a depender do aparato institucional pré-existente, bem como a forma como estas instituições se desenvolveram pode nos ajudar a entender como o Welfare State também se desenvolveu.  Outro dado importante trazido por esses autores se refere ao que ficou denominado policy feedback, ou seja, o análise do quadro de política pré-existentes e a avaliação de seus outputs, influencia diretamente  a sua continuidade ou  a sua redefinição.

Como já citado anteriormente as diferentes abordagens explicativas dos fenômenos do Welfare State foram ao longo do tempo “amadurecendo”. Todas as abordagens lançaram luz a aspectos fundamentais para se pensar a origem e desenvolvimento do Welfare State, e o caminho trilhado nesse campo analítico foi de ampliação das variáveis analíticas. Esse amadurecimento não se dá numa perspectiva linear e evolutiva, mas a ampliação e a melhor qualidade dos dados disponíveis sobre o Welfare State, que surgiram com o passar do tempo, foram sem dúvida responsável por esse avanço (ARRETCHE, 1995).

 

Palavras-Chave: Welfare-State; Origem; Desenvolvimento, Tipologias, Brasil.

* Suelem Lima Benicio - é mestre em Políticas Públicas pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do ABC. Possui Graduação em Ciência Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Atuou como Assistente Técnico Pedagógico junto a DOT/Núcleo de Educação Étnico-racial da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Atualmente é professora a Escola do Tribunal de Contas do Município de São Paulo na área de Políticas Públicas.


Os artigos aqui publicados não refletem a opinião da Escola de Contas do TCMSP e são de inteira responsabilidade dos seus autores.


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