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*Danilo André Fuster


O Modelo de Múltiplos Fluxos foi desenvolvido a partir dos estudos de Kingdon (2003) e Zahariadis (2007) sobre a formação de agenda, com base no modelo de decisão em organizações.

 

 

A formação de agenda segue um processo não intencional, caracterizado: (i) pelo surgimento ou reconhecimento de um problema, (ii) pela existência de ideias e alternativas desenvolvidas por especialistas, investigadores, políticos e atores sociais e (iii) pelo contexto político, administrativo e legislativo favorável à sua execução (KINGDON, 2003; ZAHARIADIS, 2007; CAPELLA, 2007).

Segundo Faria (2003), o objetivo do Modelo de Múltiplos Fluxos é:

"[...] analisar o processo de formação de políticas em condições de ambiguidade, quando as teorias calcadas no comportamento racional são de utilidade limitada, sendo crucial a questão temporal, uma vez que a adoção de uma dada alternativa de política é vista como dependente da ocorrência simultânea de determinados eventos e da atuação de certos atores.” (FARIA, 2003, p.24)

Portanto, a ambiguidade na tomada de decisão está relacionada à presença de ambivalência, ou seja, à presença simultânea de diferentes interpretações, muitas vezes conflitantes, sobre um mesmo fenômeno.

Para  Kingdon (2003) e Zahariadis (2007) a presença de ambiguidade é decorrente de três fatores: (i) grande rotatividade dos atores envolvidos nas arenas decisórias, caracterizando uma participação fluida; (ii) os decisores não entendem claramente o impacto de suas decisões e, portanto, não conseguem se posicionar diante de diferentes alternativas; e (iii) tecnologias mal definidas, sobretudo no setor público, caracterizadas por uma crescente interdependência, disputas inter e intragovernamentais, conflitos jurisdicionais, divisão de atribuições e de responsabilidades.

Formação de Agenda

No modelo de Kingdon (2003), existem três concepções diferentes de agenda: (i) a agenda governamental, (ii) a agenda decisional e (iii) as agendas especializadas.

A agenda governamental é a mais abrangente, sendo definida pelo conjunto de assuntos sobre os quais o governo e as pessoas a ele relacionadas concentram sua atenção em determinado momento. As questões entram na agenda governamental quando despertam o interesse dos formuladores de políticas públicas. No entanto, dada a sua complexidade e o volume de questões, somente algumas vão receber atenção dos formuladores.

A agenda decisional é um subconjunto da agenda governamental. Ela reúne questões prontas para decisões ativas dos formuladores, ou seja, questões em via de virarem políticas públicas.

As agendas especializadas referem-se a questões específicas e setoriais, relacionadas à Saúde, Transporte, educação, etc. Ou seja, elas estão relacionadas à natureza setorial das políticas públicas.

Dinâmica do modelo: os três fluxos

Kingdon (2003) propõe que o processo de tomada de decisão nas políticas públicas poderia ser representado pela confluência de três grandes fluxos dinâmicos: o fluxo de problemas (problem stream), o fluxo de soluções (policy stream) e o fluxo político (political stream).

Determinadas questões passam a fazer parte da agenda decisória quando os três fluxos decisórios (streams), que são relativamente independentes, entram em convergência. Essa convergência ocorre em momentos críticos, isto é, quando surgem janelas de oportunidade, quando os empreendedores podem apresentar suas propostas.

Figura 1. Síntese do Modelo de Múltiplos Fluxos

multiplos fuxos

Fonte: CAPELLA, 2007, p. 98

 

Primeiro fluxo: Fluxo de Problemas (Problem Stream)

O Fluxo de Problemas analisa como as questões são levadas a compor a agenda do governo. Kingdon (2003) distingue os conceitos de problema e questão. Para o autor, questão é uma situação social percebida mas que não necessariamente desperta ação em contrapartida. Uma questão se torna um problema quando formuladores acreditam que devem fazer algo a respeito.

Segundo Kingdon (2003), a atenção dos formuladores de políticas públicas se daria em função de três mecanismos:

1. Indicadores: dados e interpretações reunidos podem apontar certa questão como problemática e foco de atenção governamental. Ex: taxa de mortalidade infantil, custos, etc.
2. Eventos, crises e símbolos: associados a indicadores, ajudam a reforçar a percepção existente sobre uma dada questão, transformando-a em problema e inserindo-a na agenda
3. Feedback das ações governamentais: monitoramento e avaliação dos programas implementados, identificação de consequências não antecipadas

Esses três mecanismos não funcionam isoladamente. O ponto central do modelo é o entendimento dos problemas como construções sociais. De acordo com Capella (2007), a resposta dos formuladores depende da forma como estes percebem e interpretam a realidade. Considerando o grande volume de decisões e a  incapacidade de lidar com todas as questões ao mesmo tempo, percepções e interpretações sobre essas questões são importantes para transformá-las em problemas passíveis de intervenção por parte de políticas públicas.

Segundo fluxo: Fluxo de Soluções (Policy Stream)]

O Fluxo de Soluções inclui o conjunto de alternativas e soluções em disputa na rede de políticas públicas. Segundo Kingdon (2003), “as pessoas não necessariamente resolvem problemas. (...) Em vez disso, elas geralmente criam soluções e, então, procuram problemas para os quais possam apresentar suas soluções”.

As ideias a respeito das soluções flutuam em um “caldo primitivo de políticas” e são geradas em comunidades de políticas (policy communities), compostas por especialistas que compartilham preocupações a respeito de uma certa área de política pública. Nesse “caldo” nem todas as ideias recebem o mesmo tratamento – algumas permanecem intocadas, outras são combinadas a novas propostas e outras ainda são descartadas.

Em suma, o Fluxo de Soluções reúne uma lista restrita de propostas, que representam as ideias que sobreviveram ao processo de seleção. Entre as propostas de solução que originam as políticas públicas é possível identificar alguns padrões, tais como: a confiabilidade técnica; a aceitabilidade e compatibilidade entre os valores vigentes na sociedade; e a capacidade de antecipar contingenciamentos futuros, como os orçamentários (KINGDON, 2003).

Terceiro fluxo: Fluxo Político (Political Stream)

O Fluxo Político possui dinâmica e regras próprias, independente do reconhecimento de problemas ou das alternativas disponíveis. Nele, as coalizões são construídas em processos de barganha e negociação política. Dependendo desse jogo de disputas, certas questões podem entrar na agenda, enquanto outros temas ficam de fora.

No geral, três elementos afetam a agenda governamental nesse fluxo:
1. Clima ou “humor nacional”: compartilhamento de questões em certo período de tempo, solo fértil para certas ideias e descarte de outras. Afetado por grupos de pressão, opinião pública, movimentos sociais, processo eleitoral, entre outros.
2. Forças políticas organizadas, grupos de pressão: geração de consenso ou conflito em torno de certas questões – análise do equilíbrio das forças em jogo, que podem ser mais ou menos favoráveis a mudanças na agenda; análise dos custos de propostas não consensuais.
3. Mudanças no interior do governo: mudanças de gestão, de pessoas em posições estratégicas, no Congresso, na direção de empresas públicas – início de governo como momento mais propício a mudanças.

Cabe ressaltar a importância do período de início de governos, considerado o momento mais propício à entrada de demandas que permaneceram por um longo tempo sem resposta (KINGDON, 2003).

Além disso, mudanças na agenda do governo dependem também da mudança de competência sobre determinada questão: distintos setores do governo (agências, comissões parlamentares, distintas burocracias, Executivo, Legislativo, Judiciário) podem reivindicar autoridade sobre determinada questão, gerando disputas e tensões em torno das políticas públicas.

 

Convergência entre os fluxos

A convergência entre os três fluxos (problemas, soluções e político) é caracterizada pela abertura de uma janela de oportunidade (policy windows), que se constitui na conjuntura em que os empreendedores podem apresentar suas propostas. Os empreendedores exercem um papel fundamental nas políticas públicas, pois são os atores que detêm qualidades básicas para integração dos fluxos, tais como: o apelo para se fazer ouvir, articulação política, habilidade para negociar e persistência.

As janelas de oportunidade são determinadas principalmente pelo Fluxo dos Problemas e pelo Fluxo Político, onde geralmente surgem oportunidades para mudanças quando um novo problema atrai a atenção do governo (efeito de indicadores, crise, feedback) ou quando há mudanças na dinâmica da política (clima nacional ou mudança de governo).

Cabe ressaltar que as janelas de oportunidade são transitórias, podendo ser previsíveis, no caso dos ciclos eleitorais, dos momentos de definição orçamentária, entre outros. O fechamento das janelas pode ocorrer após a tomada de alguma decisão, pelo fracasso em buscar uma solução, pela perda de visibilidade da questão, por mudanças do pessoal envolvido no tema ou simplesmente por não haver uma alternativa de ação disponível (KINGDON, 2003; ZAHARIADIS, 2007; CAPELLA, 2007).

 

REFERÊNCIA
CAPELLA, A. C. N. Perspectivas teóricas sobre o processo de formulação de políticas públicas. In: HOCHMAN, G. et al. (Org.). Políticas públicas no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. p. 87-121.

GÖTTEMS, L. B. D. et al. O modelo dos múltiplos fluxos de Kingdon na análise de políticas de saúde: aplicabilidades, contribuições e limites. Revista Saúde Soc. São Paulo, v.22, n.2, p.511-520, 2013


*Danilo André Fuster - Servidor público do município de São Paulo atuando como professor na Escola de Gestão e Contas Públicas Conselheiro Eurípedes Sales do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, Bacharel em Gestão de Políticas Públicas pela EACH-USP, mestre em Gestão de Políticas e Organizações Públicas pela UNIFESP e mestrando em Gestão de Políticas Públicas pela EACH-USP.

 

 


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