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Por Angélica Fernandes*


Nos últimos 30 anos, aproximadamente 100 mil mulheres foram assassinadas no Brasil. O número de mortes nesses 30 anos passou de 1.353 para 4.297, o que representa um aumento de 217,6% – mais que triplicando – nos quantitativos de mulheres vítimas de assassinato, segundo dados da publicação “Mapa da Violência 2012”.

Em 2010, no Estado de São Paulo foram assassinadas 663 mulheres. Dos 97 municípios listados com taxas acima de 8 homicídios em 100 mil mulheres, o que representa praticamente o dobro da média nacional, figuram nove municípios paulistas: Embu Guaçu, Itapecerica da Serra, Várzea Paulista, Jaboticabal, Ribeirão Pires, Ubatuba, Caraguatatuba, Presidente Prudente, São Sebastião e Itaquaquecetuba.

Na primeira vez que a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo separou os dados de criminalidade contra a mulher, em 2011, foi apurados oito mulheres são agredidas por hora em São Paulo e registram boletim de ocorrência de lesão corporal nas delegacias do Estado.

Diferentemente dos crimes comuns cometidos, nos quais a maioria o autor é desconhecido, no caso da violência doméstica o autor é conhecido, tem acesso aos números de seus documentos e, principalmente, ao seu endereço.

Os dados são alarmantes e requerem uma forte atuação do Poder Público e da sociedade. É neste contexto que se insere a CPMI da Violência Contra as Mulheres, cujo principal objetivo é apurar a implantação e efetivação dos mecanismos previstos na Lei Maria da Penha, uma conquista das mulheres brasileiras.

A Lei Maria da Penha criou mecanismos para coibir e prevenir a vio¬lência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais.  Dispõe ainda sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

O Governo Federal, determinado a reduzir a  reduzir a violência contra a mulher, em 2006, propôs o Pacto Nacional de Enfrentamento a Violência Contra a Mulher cujo objetivo é desenvolver políticas públicas amplas e articuladas, direcionadas, prioritariamente, às mulheres em situação de violência, em função da dupla ou tripla discriminação àquelas submetidas e em virtude de sua maior vulnerabilidade social. 

É importante reafirmar que está previsto no parágrafo primeiro da Lei Maria da Penha: “§ 1º O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domés¬ticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de ne¬gligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. A Lei Maria da Penha veio para fazer toda a diferença em relação à violência contra a mulher.

É importante destacar que a violência que trata a Lei Maria da Penha não está restrita a violência física, porque esta deixa marcas no corpo. A lei prevê outros tipos de violência contra a mulher: a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima; a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação se¬xual não desejada; a violência patrimonial, entendida como aquela que destrua seus bens; e a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Para atender as vítimas de violência a Lei Maria da Penha prevê,  no artigo 8º e incisos, a necessidade de implantação de política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar através de um conjunto arti¬culado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais.

Na minha opinião, é fundamental as autoridades terem consciência de que a efetivação dessas políticas públicas requer o cumprimento de três premissas: um marco legal – que respalde a atuação do Poder Público; capacidade de gestão – para que o Estado em seu conjunto possa diagnosticar e atuar no enfrentamento desta triste realidade; e, por fim, dotação orçamentária – para efetivar as intenções e mecanismos propostos nas leis e marcos legais.

O que pudemos constatar nestes nove anos é que a implantação integral da Lei Maria da Penha está longe de ser alcançada. Estudos, pesquisas e noticiários demonstram que a rede de atendimento às mulheres vítimas de violência está fragmentada. Existe uma baixa articulação entre os agentes públicos que devem prestar assistência às vítimas de violência, desobedecendo assim a declaração do plenário do STF, que em votação unânime reconheceu o artigo 41 da Lei Maria da Penha que afastou a aplicação do artigo 89 da Lei nº 9.099/95 quanto aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, tornando impossível a aplicação dos institutos despenalizadores nela previstos, como a suspensão condicional do processo. O ministro relator, Marco Aurélio de Mello, afirme em seu voto que o dispositivo se coaduna com o que propunha Ruy Barbosa, segundo o qual a regra de igualdade é tratar desigualmente os desiguais. Isto porque a mulher, ao sofrer violência no lar, encontra-se em situação desigual perante o homem, ou seja, “aos desiguais tratamento desigual”.

Mas o que é mais grave é o fato de apesar da vitória da constitucionalidade da Lei Maria de Penha, obtida no Supremo Tribunal Federal, muitos delegados e juízes ignoram esta conquista, e insistem em interpretar a Lei e, desta forma permanece na prática exigência de representação de queixa por parte de mulher, vítima de agressão, para que o processo seja instaurado contra o agressor.

O momento do nono aniversário da Lei Maria da Penha, requer um posicionamento das autoridades em todos os âmbitos e, principalmente, o comprometimento com metas de curto, médio e longo prazo para por fim ao atual quadro de acolhimento, atendimento e atenção às vítimas de violência doméstica.

O Poder Público tem que investir em políticas públicas para as mulheres. O investimento público nada mais é do que vontade política, determinação, efetivo compromisso com o direito das mulheres e de suas vidas.



* Mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Graduada em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo. Foi secretária nacional de Articulação Institucional da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República e é Chefe de Gabinete do Conselheiro João Antonio, TCM/SP.


Os artigos aqui publicados não refletem a opinião da Escola de Contas do TCMSP e são de inteira responsabilidade dos seus autores.


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