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André Galindo da Costa

Uma PEC para conter as despesas públicas
O Brasil passou por um conjunto de eventos nos últimos anos que culminaram em uma profunda crise política e uma dramática recessão econômica. Um conjunto de denúncias de corrupção e as jornadas de junho de 2013 levaram a vários acontecimentos que resultaram no impeachment da Presidente Dilma Roussef. Todo esse processo contou com um grande apoio da opinião pública, sobretudo dos meios de comunicação de massa.

 

 

O governo que assumiu se comprometeu com a resolução dos problemas econômicos pelo qual o país passava. Para tanto apresentou várias medidas, das quais uma boa parcela depende da aprovação do Congresso Nacional. Entre essas está a Proposta de Emenda Constitucional nº 55 (PEC 55). Uma emenda constitucional é um instrumento de modificação pontual da Constituição. As emendas não podem modificar todo o texto da Constituição e nem alterar as cláusulas pétreas.

Muitas dúvidas e discussões têm se dado em torno da PEC 55. Essa proposta de emenda tem dividido opiniões. Oficialmente foi apelidada como “PEC do teto dos gastos públicos”. Aqueles que se opõem a PEC 55 a apelidaram como “PEC do fim do mundo”. Ambas as nomeações traz uma carga muito forte de preconceitos. Isso acaba por atrapalhar ainda mais aqueles que efetivamente querem saber do que se trata tal PEC.

A ideia de “PEC do teto dos gastos públicos” por si só cria uma impressão bastante positiva. Se gastos públicos excessivos são prejudiciais e se essa PEC quer impossibilitar isso, quem terá coragem de se opor a ela? Por outro lado a nomenclatura de “PEC do fim do mundo” cria uma imagem negativa, quase que apocalíptica. Esse artigo busca apresentar algumas características técnicas sobre essa PEC tão polêmica. Também, problematiza o seu enfoque fiscal na despesa pública primária e a falta de medidas monetárias, como aquelas relacionadas à dívida pública. Para tanto serão utilizados conteúdos teóricos e modelos conceituais fornecidos pela economia e as finanças públicas.

Características da PEC 55

A PEC 55 estava identificada como PEC 241 na Câmara dos Deputados. Como ela foi aprovada na Câmara e enviada ao Senado Federal recebeu outro nome. A mudança de nome é comum com todas as PEC´s quando aprovadas em uma casa e direcionadas a outra. A PEC 55 prevê o congelamento dos gastos públicos por 20 exercícios financeiros, ou seja, 20 anos. Essa medida não tem precedente em nenhum outro país. Assim, se aplicada, merece ser analisada detalhadamente quanto a sua aplicação e os seus resultados. Também é necessário se expor e se conhecer quais os pressupostos teóricos e empíricos que justificam essa ação. Esses até agora foram pouco discutidos ou mesmo apresentados.

A base a ser usada será o orçamento público do ano de 2016. Os aumentos de gastos públicos poderão ser apenas de correção inflacionária. Imaginemos a seguinte situação fictícia: se em um ano os gastos públicos no orçamento foram de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) e nesse mesmo ano houve uma inflação de 10%, eis que o orçamento do próximo ano poderá ter um incremento de no máximo R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Os aumentos terão um impacto nominal, porém não representarão um acréscimo real. Isso traz um ponto importante: caso a economia volte a crescer haverá uma redução das despesas públicas em relação ao Produto Interno Bruto (PIB).

O limite se dará apenas para as despesas públicas primárias, que são todas aquelas não decorrentes do pagamento dos juros da dívida. As despesas primárias podem ser entendidas também como aquelas disponíveis para se executar as políticas púbicas. Há quem considere positiva a redução da parcela de recursos do PIB destinada às políticas públicas, pois com isso se deixaria mais meios disponíveis ao pagamento dos juros da dívida. Porém, um ponto que deve ser levado em consideração é que com o aumento demográfico haverá uma redução de investimentos públicos per capita em saúde e educação, por exemplo.

Outra questão importante é que a PEC 55 prevê a proibição de abertura de créditos adicionais na modalidade de: créditos suplementares e créditos especiais. Os créditos adicionais são formas de se reforçar os créditos autorizados nas dotações que compõem a lei orçamentária. O crédito suplementar é usado quando há uma dotação orçamentária, mas o seu valor se mostra insuficiente no decorrer do exercício, necessitando de suplementação. O crédito especial se dá quando não há uma dotação específica para determinada despesa na lei orçamentária, mas ela é criada durante o exercício. Atualmente, ambos os créditos só podem ser criados por autorização legal.

Muitos especialistas reconhecem o quanto a moderação nas despesas é importante para a recuperação fiscal do Estado brasileiro. No entanto, o que tem gerado certas suspeitas é o porquê tal PEC não prevê outras medidas complementares, como novas formas de composição da receita ou uma redução nas taxas de juros. A PEC 55 terá um impacto maior sobre as pessoas pertencentes a classes sociais mais baixas. Isso porque são essas que mais dependem de serviços públicos. Tal proposta de emenda prevê a sua revisão em 10 anos, porém caso haja crescimento do PIB haverá um forte prejuízo sobre a função orçamentária distributiva.

Impacto sobre a educação pública

No relatório emitido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre educação em 2014, o Brasil se apresentou em uma situação antagônica. Na ocasião o país apresentava um alto esforço na forma de despesas públicas em educação quando comparado aos outros 34 países analisados pela OCDE. O Brasil usava 19% das suas despesas públicas em educação enquanto os países da OCDE tinham uma média de 13%. Em relação ao PIB os gastos brasileiros em educação pública eram de 6,1%, enquanto a média dos países da OCDE era de 5,6%.

Se o Brasil realiza mais despesas em educação pública em relação ao seu PIB ou ao total de seus gastos públicos que a média dos países da OCDE quer dizer que não há problema, certo? Errado. A situação se complica quando são analisados os investimentos em educação pública por aluno. Nessa perspectiva o país fica muito atrás dos países da OCDE. Naquela ocasião o Brasil investia US$ 2.985 por estudante ao ano, já os países da OCDE em média investiam US$ 8.952.

A OCDE surgiu enquanto organização internacional com o propósito de comparar políticas econômicas entre países com sistemas políticos democráticos e sistemas econômicos capitalistas. No momento da sua fundação, em 1960, contava com 14 países, hoje é formada por 34. O Brasil não é um país membro da OCDE, portanto as projeções apresentadas se dão para identificar o seu desempenho comparado aos países pertencentes a essa organização. As pesquisas produzidas pela OCDE costumam ser sempre atualizadas e são consideradas de alta confiabilidade.

Cabe destacar que a lei 13.005/14 instituiu o Plano Nacional de Educação para o período de 10 anos. A meta 20 do Plano previa atingir 7% do PIB em investimentos na educação pública em 2019 e 10 % do PIB em 2024. Com a aprovação da PEC 55 essa meta se torna inviável. A tendência agora é que haja uma redução nos gastos com educação em relação ao PIB. Os últimos dez anos foram marcados por incrementos nos investimentos com educação pública no Brasil em relação ao PIB. Esses permitiram o aumento do acesso das pessoas à educação básica e ao ensino superior.

O resultado primário e a dívida pública

A dívida pública é um problema que tem se agravado nos últimos anos, consumindo cada vez uma quantidade maior de recursos do orçamento público. Os dados apresentados pelo Banco Central mostram uma situação bastante preocupante e insustentável para o médio prazo. Mesmo assim, nem a PEC 55 ou qualquer outra medida tem o intuito de amenizar as adversidades geradas pela dívida.

Isso gera por si só uma grande incongruência e as seguintes dúvidas: Por que só estão sendo tomadas medidas de austeridade que impactam nas despesas públicas primárias? Por que não são tomadas medidas de política monetária que reduzam a nocividade da dívida sobre o fundo público? Ao contrário do imaginado o que se vê nos últimos tempos são ações que agravam ainda mais o ônus com a dívida. Há aqui uma contradição em termos.

Quando analisado o relatório do resultado fiscal do governo central fornecido pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) é possível observar diante da sua série histórica que o resultado primário foi superavitário entre 2010 e 2013, mas foi deficitário entre 2014 e 2015. O resultado primário é a diferença entre as arrecadações (menos as de natureza financeira, como juros) e as despesas primárias. Mais uma vez reforçando que as despesas primárias são aquelas efetivamente utilizadas para se executar as políticas públicas.

O déficit primário de 2014 foi de menos de 0,4% do PIB. Um valor bastante irrelevante pelos padrões internacionais. O déficit primário em 2015 foi de aproximadamente 2% do PIB. Esse valor gera certa preocupação e a necessidade de medidas para o restabelecimento fiscal, porém está longe de ser um quadro pavoroso. Como exemplo, temos que entre os países membros da União Europeia um déficit de até 3% do PIB é tido como algo normal. Isso foi estabelecido pelo Tratado de Maastricht, assinado pelos países membros da Comunidade Europeia em 1992 e que entrou em vigor em 1993, criando a União Europeia. O tratado estabeleceu que o déficit orçamentário aceitável para os países membros da União Europeia seria de 3% do seu PIB.  Em 2013 o déficit da Espanha foi o equivalente a 6,6% e o da França 4,3% de seus respectivos PIB´s.

A taxa Selic

O Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC) é um sistema informatizado criado em 1979. Ele operacionaliza os registros, custódias e liquidação dos títulos públicos. Em 1999 o Banco Central do Brasil extinguiu o sistema de banda de juros, que existia desde 1996, e criou a taxa referencial Selic. A taxa Selic é definida pelo Comitê de Política Monetária (COPOM). Ela serve como taxa básica de juro na economia brasileira e tem um importante papel de servir como instrumento de política monetária. Todas as taxas de juros praticadas no mercado têm por base a Selic.

A dívida pública é uma fonte de financiamento público desde a consolidação dos Estados-nação. No entanto, esse mecanismo ganha maior expressividade após a popularização da teoria econômica keynesiana. Hoje, quase a totalidade dos países do mundo faz uso da dívida pública como forma de arrecadar receitas. A compra de títulos públicos é tida em todo o mundo como uma aplicação segura devido à capacidade de solvência do Estado. A segurança faz com que os juros pagos sobre eles sejam bastante baixo por todo o mundo. Chama a atenção que no Brasil essa não é a regra.

Diversos países desenvolvidos têm a sua taxa de juro real sobre títulos públicos em torno de 0,5%. Isso possibilita que outros investimentos com maior rentabilidade tornem-se mais atrativos, estimulando outras atividades econômicas, sobretudo as produtivas. No Brasil, diferente do que se vê em todos os países do mundo, tem se optado a muito tempo por altas taxas de juros. No início do ano de 2016 a perspectiva do Banco Central era de que a taxa Selic pagasse os juros reais de 6,78%. Isso fez com que o Brasil tivesse a taxa básica de juros mais alta do mundo. A Rússia que era a segunda colocada fez a projeção de 2,78%. No mesmo ano a Índia projetou em 0,57%, a Colômbia em 0,52% e a África do Sul em 0,26%.

Aumento do dispêndio com a dívida pública

Analisando as séries históricas é possível observar que desde a sua criação a regra foi de se ter uma taxa Selic alta. Em 2003, por exemplo, chegou a ser de 26,32%. O governo brasileiro sempre pagou os juros da dívida pública com o excedente do superávit primário. O que não consegue pagar, normalmente, faz a rolagem, ou seja, emite mais títulos para cobrir os títulos que estão vencendo.

Entre os anos 2012 e 2013, durante o governo da Presidente Dilma Roussef, foram praticadas as menores taxas básicas de juros da história recente do Brasil. Ela chegou a ser de 7,2% em valores nominais. Quando descontada a inflação seu valor real era de um pouco mais de 1%. Tal prática gerou uma grande contestação da opinião pública. A partir de 2013, frente a forte oposição midiática, política e corporativa a taxa Selic volta a subir. Isso fez com que os gastos do governo com juros que eram de aproximadamente R$ 147.267.600.000,00 em 2012 passassem a ser de aproximadamente R$ 251.070.200.000,00 em 2014 e de R$ 397.240.400.000,00 em 2015. Os juros anuais devidos pelo governo eram de 3,1% do PIB em 2012, em 2015 eles representavam 6,7% do PIB.

Os déficits primários de 2014 e 2015 somados foram de aproximadamente R$ 137 bilhões. Valor muito inferior ao total devido pelo governo com juros a cada ano. Em 2016 o valor nominal da taxa Selic estava em torno de 14%. Para o mesmo ano foi feita uma previsão de déficit primário de aproximadamente R$ 170 bilhões. Outra contradição é que no mesmo ano foram realizados aumentos de emendas parlamentares e de salários para o poder judiciário e certos segmentos do funcionalismo público.

A situação econômica do país apresenta-se em uma condição complicada, e não há qualquer expectativa de melhora para 2017. Tal cenário é muito diferente do anunciado pela coalizão política que tomou o poder em 2016. As altas taxas de juros justificam-se, sobretudo entre economistas monetaristas, como um importante instrumento de contenção da inflação. No entanto, o que diversas evidências apontam é que boa parte das pressões inflacionárias se dão por um problema de oferta. Carência de oferta se resolve estimulando a atividade produtiva. Fica difícil pensar em estímulo a produção enquanto a atividade rentista via taxa Selic se mostra tão atrativa e sem risco. Hoje, a maior parte dos títulos públicos está na posse de bancos e intermediários financeiros. Uma pequena parcela pertence a aplicadores individuais do tesouro direito.

Enquanto o ônus com os juros da dívida aumenta, a PEC 55 faz uma redução das despesas primárias. Em um quadro de recessão econômica muito marcada pelo o aumento do desemprego, a redução de políticas públicas pode levar a uma tragédia humana anunciada. O desemprego deve chegar a 12% no início de 2017, isso representa aproximadamente 12 milhões de pessoas. Enquanto isso nada se faz para combater o círculo vicioso da dívida e a opinião pública mostra-se indiferente com a situação.

Fazendo uso do pensamento do defensor do republicanismo, autor da Declaração de Independência, pai fundador e 3º Presidente dos Estados Unidos, Thomas Jefferson, tem-se que: “... as entidades bancárias são mais perigosas para as nossas liberdades que todos os exércitos permanentes. Se o povo americano permitir um dia que os bancos privados controlem sua moeda, eles e as suas entidades subsidiárias, privarão os cidadãos do que lhes pertence. Primeiro com a inflação e mais tarde com a recessão, até que seus filhos despertem, sem casa e sem teto, na terra que seus pais conquistaram.”.

thomas jefferson

Thomas Jefferson, 3º Presidente dos Estados Unidos

 

Referências
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Histórico das taxas de juros. Disponível em: <https://www.bcb.gov.br/Pec/Copom/Port/taxaSelic.asp>. Acesso em 31 de dezembro de 2016.
BANDEIRA, Luiza. BBC. Brasil dá mais do PIB para educação que países ricos, mas gasto por aluno é pequeno. Disponível em Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/09/140908_relatorio_educacao_lab>. Acesso em 13 de dezembro de 2016.
BRASIL. Plano Nacional de Educação. Lei nº 13.005 de 25 de junho de 2014.  Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm>. Acesso em 31 de dezembro de 2016.
CASTRO, José Roberto. NEXO JORNAL. O que é e quais são os impactos da proposta do governo para congelar o gasto público. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/10/09/O-que-%C3%A9-e-quais-s%C3%A3o-os-impactos-da-proposta-do-governo-para-congelar-o-gasto-p%C3%BAblico>. Acesso em 31 de dezembro de 2016.
DOWBOR, Ladislau. VIOMUNDO. R$ 400 bi para o pagamento de juros. Veja quem realmente quebrou o Estado brasileiro. Disponível em: <http://www.viomundo.com.br/politica/ladislau-dowbor-r-400-bi-para-o-pagamento-de-juros-veja-quem-realmente-quebrou-o-estado-brasileiro.html>. Acesso em 31 de dezembro de 2016.
MARTÍN, Tejero María. EXAME. Espanha e França quase atingem meta de déficit. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/economia/espanha-e-franca-quase-atingem-meta-de-deficit/>. Acesso em 31 de dezembro de 2016.
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OLIVEIRA, Nielmar. EBC AGÊNCIA BRASIL. Desemprego atinge 12 milhões de pessoas e tem maior taxa desde 2012. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2016-12/desemprego-atinge-12-milhoes-de-pessoas-e-tem-maior-taxa-desde-2012. Acesso em 31 de dezembro de 2016.
TESOURO NACIONAL. Resultado do Tesouro Nacional. Disponível em: <http://www.tesouro.fazenda.gov.br/pt_PT/resultado-do-tesouro-nacional>. Acesso em 31 de dezembro de 2016.


Os artigos aqui publicados não refletem a opinião da Escola de Contas do TCMSP e são de inteira responsabilidade dos seus autores.

 


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