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Por Andre Galindo¹

Muito ouvimos falar sobre governabilidade nos meios de comunicação de massa. É muito comum ser dito que algum país dispõe de governabilidade para levar a cabo um grande projeto político, ou que determinado estado sofre com uma crise de governabilidade

Acontece que a banalização desse termo acaba tirando o que ele tem de mais rico, que é uma definição bastante específica, mesmo que não consensual, dentro do campo das ciências políticas e da gestão pública. Mais um equívoco é trata-lo como se fosse sinônimo de governança, inclusive realizando-se em certas explanações a alternância no uso de uma ou de outra palavra como se significassem a mesma coisa. Assim busca-se nesse ensaio fazer uma definição mais precisa do conceito de governabilidade, citando inclusive alguns exemplos práticos.


    O termo governabilidade começou a ser tratado e estudado com mais afinco na metade dos anos 1990, quando também ganha força e entra para a agenda política as questões em torno de ajuste fiscal e de reforma do aparelho do Estado no Brasil. A ideia de governabilidade remete a credibilidade das instituições públicas frente à sociedade. Assim esse é um elemento fundamental para que as políticas públicas escolhidas por um governo para tentar resolver determinados problemas tenham sustentação diante da opinião pública.

Não apenas a qualidade das instituições seria capaz de garantir a governabilidade, mas também a legitimidade dessas instituições. Para se pensar em legitimidade, sobre um marco de Estado de direito, deve-se considerar que as instituições públicas são fruto de um processo democrático e que teoricamente representam o interesse de uma parcela significativa da população. Nesse prisma a governabilidade deriva da legitimidade do Estado e do governo que o representa com a sociedade e a capacidade de representar o pluralismo social.  A governabilidade é tida como elemento substancial para que se possa governar.

    Quando tratamos de governabilidade um caso muito citado é o do ex-presidente chileno Salvador Allende, eleito em 1970. Allende venceu o primeiro turno de uma eleição direta bastante acirrada. Como membro do partido Unidade Popular conseguiu aproximadamente 36,5% dos votos, frente a Jorge Alessandri Rodriguez do Partido Nacional que teve aproximadamente 35% dos votos e Rodomiro Tomic Romero do Partido Democrata Cristão que obteve aproximadamente 28% dos votos. Como não houve vitória por maioria absoluta foi realizado um segundo turno disputado por meio de eleição indireta no Congresso. No segundo turno Allende obteve em torno de 80% dos votos, consagrando-se por definitivo vitorioso. Em 1973 houve um golpe de Estado, que inclusive culminou na morte de Allende.

Apesar do golpe chileno ser fruto de um conjunto de fatores, dentre os quais se encontra uma campanha de oposição financiada pelo governo dos Estados Unidos por meio da sua Agência Central de Inteligência (CIA), estudiosos apontam que um dos motivos mais importantes foi uma crise de governabilidade. Allende ganhou uma eleição bastante apertada, tendo apenas 1,5% a mais dos votos que o segundo colocado no primeiro turno. Cada um dos três candidatos tinham tido quase que um terço dos votos totais. Isso leva a crer que naquele instante a sociedade chilena estava bem dividida. Esse fracionamento de opção de votos é apontado como um elemento que determinou a oposição à Allende durante o seu governo e a falta de apoio a ele no limiar do golpe. Dessa maneira esse caso é tido como um exemplo de crise de governabilidade, já que o governo sofreu com uma falta de representatividade de uma parcela muito grande da sociedade, no caso em torno de 65%.

O mesmo não teria se passado na relação entre o poder legislativo e o poder executivo, já que os parlamentares em sua grande maioria votaram a favor de Allende. Isso dá entender que se levado em conta apenas o elo entre legislativo e executivo a governabilidade de Allende poderia ser garantida sem muitas dificuldades. Cabe destacar que os tipos de relações entre os diferentes poderes, incluindo nisso o poder judiciário, assim como o nível de cooperação e conflito entre eles é um indicador fundamental do grau de governabilidade.

Pensando em exemplos de governabilidade, sob a ótica da representatividade, um caso considerado como exemplar é o da Suécia. Nesse país, embora o voto não seja obrigatório nas suas últimas eleições em 2014 houve uma participação eleitoral de 86% dos eleitores, conforme dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O País também é destaque no que diz respeito à confiança da população nas instituições políticas, figurando entre os maiores níveis mundiais nesse quesito, segundo os dados da European Social Survey. Obviamente que os níveis de abstenção eleitoral e a confiança popular não são os únicos fatores capazes de assegurar a governabilidade, porém não há como negar que figuram como elementos muito importantes, já que de certo modo traduzem a credibilidade no sistema político.

A governabilidade é um elemento fundamental a ser levado em consideração nas sociedades democráticas, ou mesmo naquelas que se projetam como tal. Está ligado ao reconhecimento da população da população, a legalidade e a certo nível de harmonia em relação às instituições políticas de uma nação, estado ou município. Desta forma é quase consensual a sua importância para pensar em melhores resultados das ações do Estado. Quando as instituições públicas carecem de legitimidade e representatividade fica difícil implantar qualquer tipo de política pública ou mesmo realizar a gestão das políticas existentes. Assim a governabilidade tem o papel de garantir a estabilidade e só a partir de então é possível pensar de maneira concreta na governança das políticas públicas.

Referências

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REIS, Fábio Wanderley. Governabilidade e instituições políticas. In: VELLOSO, João Paulo dos Reis (org.). Governabilidade, sistema político e violência urbana. Rio de Janeiro: Fórum Nacional/ José Olympio, 1994.

SANTOS, Maria Helena de Castro. Governabilidade, governança e democracia: criação de capacidade governativa e relações executivo-legislativo no Brasil pós-constituinte. Dados, Rio de Janeiro, vol. 40, nº 3, 1997.

 

 

¹Andre Galindo da Costa, professor e assessor da Escola de Contas, mestre em Ciências pela USP e pesquisador nas áreas de gestão pública, finanças públicas e participação política